O CICLO DO ANO – Cerimónias Sazonais e Rituais de Passagem Druídicos

Desde o Iluminismo, a nossa cultura tem vindo a projectar a mensagem de que a vida é linear, de que nascemos, envelhecemos, morremos e tudo acaba aí. A velha mensagem do carácter cíclico da vida, da vida enquanto ciclo ou espiral (que a Humanidade já conhecia desde o início dos tempos e cujos símbolos foram gravados em pedras
um pouco por todo o Mundo) foi substituída há alguns anos atrás pelo símbolo da linha a direito: a mundovisão masculina, linear, científica que, por deformação, venera o progresso e o cumprimento de objectivos acima da sabedoria e da compaixão. Um dos resultados provocados por esta mudança, na nossa consciência colectiva, de uma concepção circular da vida para uma sua concepção linear, foi o desligar das almas de muita gente em relação a uma das fontes espirituais mais nutritivas: o reino da Natureza.

Quando conheci o antigo Chefe Druida, Nuinn, ele falou-me de um caminho que nunca cortara os seus laços com a Natureza, e que transmitia um sentimento de imanência do divino em todas as coisas: com efeito, no Druidismo vive-se em comunhão com a Divindade no “templo que não foi feito por mãos” (diante do “olho do sol”), ou seja, ao ar livre, no ambiente feito pelo(a) Deus(a) e não por seres humanos. No Druidismo, a Divindade era vista como algo omnipresente, embora manifestando-se de formas diferentes nas pedras, estrelas, árvores e animais. E era possível comungarmos com a Natureza e celebrarmos a nossa unidade com ela cumprindo um conjunto de oito cerimónias especiais ao longo do ano (cada uma delas concebida para nos ajudar a sintonizarmo-nos com o ritmo da respectiva estação do ano e com a vida da terra em nosso redor).

Quando junto todas as explicações que o meu professor druida me deu (muitas vezes num café que ficava por baixo do seu escritório de West Kensington, em Londres), consigo revê-lo junto de mim a falar-me do esquema das festas religiosas, fulcral para a prática do Druidismo, da seguinte forma:

“Pensa na tua vida e nos respectivos acontecimentos. Coloca-os numa linha com o teu nascimento numa ponta e a morte na outra”, diz ele, curvando-se sobre a mesa na minha direcção, segurando numa faca para ajudar a ilustrar as suas palavras. “E aqui tens uma linha isolada, que começa e termina no vazio. Existem outras linhas que podem estender-se em paralelo com a tua, colidir com ela ou atravessá-la, mas todas elas terminarão como começaram: com nada”. Depois faz uma pausa e olha para mim encolhendo os ombros, acrescentando: “Mas ambos sabemos que a vida não é bem assim: sabemos que a morte é seguida pelo renascer, tal como nos comprova o renascer da vida que ocorre na Primavera e, se tivermos sorte, vemos isso também quando procuramos no fundo da nossa memória. Por isso, a vida é assim”, conclui, apontando para o prato, “e não assim!”, exclama, pousando a faca num gesto teatral, enquanto as pessoas das outras mesas começam a olhar para nós.

Depois, vai descrevendo círculos com o dedo no interior do prato, dizendo: “Nascemos, envelhecemos e morremos”, e depois, continuando a descrever esses movimentos: “Nascemos, depois vivemos a infância, depois a juventude, depois envelhecemos e mais tarde morremos” e vai repetindo os círculos, até que de repente chega o empregado de mesa para nos servir.

“O que é que está no centro deste círculo? O quê ou quem é responsável por este movimento circular?”, pergunta-me. O meu pensamento fica em branco por alguns instantes. “O que está no centro desta roda? Quem ou o quê é responsável pelo seu girar?”

Nessa altura compreendo: “A minha alma! A minha verdadeira identidade, que perdura em todas as minhas vidas!”

“Exactamente”, responde ele, colocando um pouco de manteiga no centro do seu prato de esparguete, para assinalar o lugar da minha alma.

“Agora esqueçamo-nos do indivíduo”, prossegue, “e olhemos para o mundo”. As estações do ano são claramente cíclicas: sucedem-se umas às outras, inexoravelmente. Por isso podemos dispô-las num círculo, o círculo do ano. O mesmo acontece com os dias: cada dia nasce de madrugada, atinge o seu ponto alto ao meio-dia e depois começa a escurecer, dando lugar à noite, altura em que morre, renascendo depois na madrugada seguinte”. Nessa altura, volta a fazer movimentos circulares com o dedo na orla do prato, desta vez com mais destreza para evitar os pedaços de comida.

“O círculo do ano e o círculo do dia têm afinidades: o Inverno é como a morte da noite, quando tudo fica quieto. A Primavera é como o nascer do dia, quando os pássaros acordam e louvam o céu. O Verão é como o meio-dia, uma altura de calor máximo e em que o crescimento é maior. E o Outono é como o fim de tarde, pois até mesmo as suas cores se parecem com as do pôr-do-sol. Temos assim os dois ciclos da Terra em sintonia. O quê ou quem pensas tu que controla o girar desta roda?”, pergunta-me então, aproveitando finalmente a oportunidade
para começar a comer e divertindo-se bastante com o facto de também ter de desenvolver movimentos circulares para enrolar o esparguete no garfo (operação que, naturalmente, escolhe fazer no centro do prato).

Novamente, o meu pensamento fica em branco por instantes. “O Deus ou a Deusa?”, inquiro.

“Hmmm… Está bem, sim, a Divindade está no centro e é a causa de tudo. Mas aquilo que provoca especificamente o ciclo do dia e as estações do ano é o sol. É ele que faz girar a roda”.

Inclinando-se então para a frente, olha-me fixamente por um momento, antes de me colocar a pergunta seguinte: “E que ligação julgas existir entre o teu ciclo”, explica, apontando para o meu prato “e o ciclo da Terra?”, conclui, apontando para o dele.

De início não consigo ver qualquer ligação: parecem-me estar os dois tão separados quanto os nossos pratos de esparguete. O Chefe Druida descreve então mais uma vez um círculo com os dedos na orla do seu prato.

“Nascimento, morte, renascimento. Solstício de Inverno, a noite mais longa. Irá o Sol renascer? Sim! E aqui, do lado oposto, no Solstício de Verão está na sua máxima força: é a altura do dia mais longo”. Apontando para o rebordo do meu prato mais próximo de si, continua depois a explicação: “Aqui nasces, encarnas como uma faísca de luz, e aí desse outro lado do teu prato estás no auge da tua vida”. Depois, agarra subitamente no frasco da pimenta, polvilhando ambos os lados do meu prato com um pouco desse condimento. “Verão e Inverno” diz, colocando em seguida mais pimenta noutros dois lados opostos do meu prato, após o que explica: “Primavera e Outono”. E prossegue, apontando para cada uma das marcas: “Aqui vemos a forma como os ciclos da tua vida e os da Terra estão interligados. A Primavera corresponde à época da tua infância, o Verão à fase mais jovem da idade adulta, o Outono à tua fase madura e o Inverno à tua morte. E no centro da roda da tua vida está a tua alma, tal como no centro da roda da Terra está o sol”.

Procura na mesa algo mais que possa usar até que, triunfante, atira uma colherada de queijo parmesão para o centro do meu prato de esparguete, que já ia a meio. “O sol é a tua alma! Agora talvez compreendas o porquê de o sol ser tão reverenciado no Druidismo”.

Nessa altura dou por mim a ter um daqueles momentos de extrema lucidez em que todas as peças parecem encaixar-se e fazer sentido embora, com um pensamento mais distraído, não conseguisse provavelmente aperceber-me de todas aquelas ligações.

“É talvez por isto que certa vez alguém escreveu que os antigos druidas acreditavam que a origem das almas estava no sol”, prossegue o meu mestre. “Segundo esse autor, acreditavam também que, entre cada vida, as nossas almas iam para a lua descansar até às nossas últimas três encarnações na Terra, em cujos intervalos podíamos descansar no centro do sol, junto daqueles seres solares dourados que conduzem os destinos do nosso planeta”.

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